A tentação de uma igreja de perfeitos

A tentação de uma igreja de perfeitos

POSTADO EM 12 de Maio de 2017

Por Monsenhor Giovanni Barrese

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 “Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para nãoserdes condenados; perdoai, e vos será perdoado”.

Com estas palavras de Jesus,no Sermão da Montanha (Lucas 6, 36-37), penso em oferecer algum caminho queajude a superar um certo renascimento do rigorismo em alguns setores e pastorais da Igreja.

Parece que nos esquecemos da quantidade de vezes que a Escritura fala em perdão, em misericórdia. Ao mesmo tempo que a mesma Escritura recorda a condição pecadora de qualquer ser humano. Santo Agostinho, um dos grandes Padres da Igreja, vai nos lembrar que nascemos inclinados para o mal. Na reflexão sobre o pecado original ele recorda que há em nós um egoísmo latenteque se manifesta como resultado desse pecado, do qual nos fala o livro doGênesis (3,1-19): a tentação de nos colocarmos, em lugar de Deus, como critériodo Bem e do Mal, do certo e do errado, etc.

Chamemos a isso de autossuficiência. Que se manifesta em frases como “Eu sei o que é bom para mim; estando bom para mim, o resto que se dane; é preciso ser esperto, levar vantagem...”.  

Quando nos colocamos como aqueles que se julgam com autoridade para discriminar, passamos por cima dequalquer sentimento de compaixão.

Mais perto de nós o Papa Francisco nos convocou para celebrar o Ano da Misericórdia. E seus pronunciamentos têm semprealgum espaço para reforçar a necessidade da acolhida, da compreensão e deafirmar que é o amor paciente que ajudará as pessoas que se encontram emsituações que ferem a santidade pessoal e da Igreja como comunidade.

Ainda nestes dias, ao visitar uma prisão perto de Roma, onde lavou os pés de doze detentos, o Papa lembrava:      “A missãoda Igreja é estar próxima dos últimos, dos descartados... Quem não tiver pecado, jogue a primeira pedra. Olhemos dentro de nós e procuremos ver nossos pecados. Então o coração se tornará mais humano”.

O Papa lembra que a misericórdia nos leva a ver um Deus disposto a levar sobre si os males do mundo para demonstrar o próprio amor por nós.

Sempre houve na história da Igreja como sabemos, movimentos que ora tendiam para disciplina mais severa ou caiam na tentação do “tudo é permitido”.

As múltiplas separações existentes no interiordo cristianismo, na sua maior parte, nasceram da sinceridade em desejar corrigir aqueles que eram vistos ou como abusos ou como desvios da fé.

Até mesmo entre os apóstolos, logo do início da missão de Jesus, nos recordamos datentativa de João que queria proibir quem não andava com eles de agir em nomedo Senhor (Lucas 9,49). 

O grande problema é que da afirmação de erros possíveis se passou para a incapacidade de amor, de dialogar, de perdoar. E aí a separação se define. E aí começam as exclusões.

Hoje percebemos um florescer na Igreja de muitos movimentos, comunidades. Isso é um bem. O perigo é a tentação da exclusividade na proposta do caminho da vida cristã: só quem pertence a este ou aquele grupo tem a garantia de encontrarJesus! Junto a isso vem a intolerância em relação às falhas. E surge alguém que dita normas pelas quais alguém pode ou não ficar junto com os outros.

Não discuto aqui a necessidade de abraçar o carisma, a disciplina oferecida comovida em comunidade. Parece, sim, que se deva prestar atenção ao fato de que a Igreja é formada por pessoas em carne e osso, falíveis. Não existe uma Igreja de perfeitos. Não há ninguém que possa partir do princípio que tem jurisdição absoluta para excluir quem erra.

Talvez, se houver alguém assim, teria que primar pela atitude de Jesus em relação aos pecadores. E, para citar um só caso, lembrar aquilo que nos fala João sobre a mulher surpreendida em adultério (8,3-11): “Ninguém te condenou?... Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante nãopeques mais”.

Para corroborar a necessidade do perdão e da misericórdia recorro ao evangelista Mateus (18, 21-22) - Então Pedro chegando-se a ele, perguntou-lhe: “Senhor, quantas vezes devo perdoar ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: Não te digo até sete,mas até setenta e sete vezes”.

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