Não-lugar

Não-lugar

POSTADO EM 02 de Dezembro de 2016


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Não-lugar ou “lugar que não existe” é o significado da palavra outopos. Utopia é um termo inventado por São Tomás More que escreveu uma obra com o mesmo título em 1516.

    Em sua obra Utopia era uma sociedade organizada de forma racional, as casas e bens seriam de todas as pessoas, que passariam seu tempo livre envolvidos com leitura e arte, não seriam enviados para a guerra, a não ser em caso extremo, assim esta sociedade viveria em paz e em plena harmonia de interesses.

    Essa idéia de uma sociedade imaginária, deu ao termo utopia o caráter de “nenhum lugar” pois não existe este lugar que ele descreve na obra. Entretanto a noção de utopia pelo menos na perspectiva cristã não assumiu a conotação de uma realidade impossível de acontecer.

    O Cristianismo fala de uma realidade utópica, isto é, cremos na segunda volta de Jesus, quando Ele virá e então o novo céu e nova terra surgirão. Nos evangelhos lemos em muitas passagens sobre o Reino de Deus que está próximo, algumas traduções chegam a dizer o Reino está no meio de vós.

    Em teologia falamos de duas dimensões do Reino: o Já e o Ainda-não do Reino. O Já do Reino acontece quando através da nossa experiência de fé, isto é, nosso encontro com Jesus, nós abraçamos nosso seguimento e este se demonstra em procurar viver como Jesus viveu, apesar de nosso pecado e fraqueza.

    O Ainda-não do Reino é a realidade que ainda não existe, mas que virá. O cristão e a cristã crêem que o Reino definitivo irá acontecer quando Jesus voltar. Contudo, enquanto esta realidade ainda-não chega o cristão e a cristã, procura já agora anunciar o Reino, testemunhando-o.

    Este anunciar e testemunhar o Reino já é o modo de ser do cristão e cristã que sabe pela inteligência da fé que Jesus está vivo e ressuscitado e por isso professa juntamente com toda a comunidade eclesial, com toda a Igreja a fé.

    Dizer Creio e professar esta fé em comunidade, isto é, sendo Igreja, Povo de Deus, comunidade do Amor é resposta ao amor de Deus, ao chamado que Ele fez e faz para que sejamos cristãos e cristãs, seus discípulos-missionários e discípulas-missionárias.

    A experiência da fé, o encontro com Jesus modifica nossa maneira de viver e ser. Como diz Santo Agostinho: “Quem encontrou a Cristo, encontrou a Alegria”. Por isso todo cristão e cristã é chamado e chamada a ser aquele e aquela que anuncia ao mundo a Alegria do Evangelho.

    E para levar a alegria é preciso sair. Sair de si mesmo, ir ao encontro do outro. Levar a alegria é sinalizar para o mundo que Deus não cansa de amar e nem de perdoar. Que devemos nos aproximar dele com o nosso coração contrito e sincero e pedir perdão e saber que Ele irá nos oferecer sua misericórdia.

    Neste ano fomos agraciados por um ano jubilar, um tempo de alegria, onde a Igreja no mundo inteiro procurou testemunhar o amor misericordioso do Pai que é revelado por Jesus.

    Como explicou o Papa Francisco na sua Carta Apostólica “Misericordia et misera”: “A Porta Santa, que cruzamos neste Ano Jubilar, introduziu-nos no caminho da caridade, que somos chamados a percorrer todos os dias com fidelidade e alegria. É a estrada da misericórdia que torna possível encontrar tantos irmãos e irmãs que estendem a mão para que alguém a possa agarrar a fim de caminharem juntos”.

     O Papa Francisco ainda nesta mesma carta, fala de que se faz necessário cultivar uma cultura da misericórdia que deve continuar. A Porta Santa foi fechada, mas a porta do nosso coração deve permanecer aberta. Propõe ele ainda na mesma carta que a misericórdia é um verdadeiro valor social.

    Nosso tempo vive um profundo ceticismo e apatia. Estamos cada vez mais isolados e egoístas, vivendo em busca da realização da felicidade que é oferecida pelo consumo.

    Nossos sonhos e desejos são colocados em nós pela propaganda e publicidade que nos dizem todos os dias através dos meios de comunicação social que para você ser vencedor tem que ter sucesso a qualquer preço.

    Essa mentalidade de acúmulo e competição que acaba sendo imposta a nós pelo próprio sistema, tira de nós a possibilidade de reconhecer que como cristãos e cristãs somos chamados a andar na contramão.

    E ainda pode nos fazer adormecer em nossa consciência acomodando-nos nos sofás e fazendo-nos indiferentes aos que sofrem e que estão marginalizados e excluídos.

    O Ano Santo da Misericórdia foi um convite a colocar a Igreja no caminho da caridade. Já sabemos o caminho, o caminho é o amor. O momento histórico que vive o mundo pede nossa presença como cristãos e cristãs.

    Não iremos mudar o mundo, não iremos fazer acontecer a realidade do céu plenamente aqui, mas podemos ter utopias, podemos começar o céu aqui. Não grandes utopias, pois estas demonstraram na história que toda intenção humana de realizar algo absoluto dá em tragédia.

    Numa aula inaugural na La Sapienza em Roma, o Papa Emérito Bento XVI em seu discurso disse que o Cristianismo tem uma grande contribuição para oferecer ao Ocidente.

   O Cristianismo tem além de uma sabedoria milenar, uma razão Amor, isto é, um verdadeiro humanismo, uma ética, que se pode identificar em tantos santos e tantas santas da Igreja.

    Eles e elas viveram a sua fé de modo admirável no amor a Deus e ao próximo, muitos deles e muitas delas por causa de tal vocação foram mortos e mortas.

    Vivemos uma inversão de valores, alguns sociólogos chegam a dizer que estamos vivendo uma mudança de época, onde, os fundamentos que alicerçavam a sociedade se desfizeram e estão a escorrer como líquido pelas mãos.

    A realidade da fome e da miséria, a desigualdade social é gritante. 52 pessoas no mundo detêm a riqueza pessoal ao equivalente de três milhões de pessoas no mundo inteiro. Os ricos nunca pagam tributos e muito menos impostos sobre suas heranças.

    Filósofos e teólogos estão dizendo que o Cristianismo tem o que dizer a nossa sociedade, sobretudo, ao Ocidente. E a resposta para atravessar este relativismo como já apontava o Papa Emérito Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate é o Amor.

    Diante da razão que se vê despedaçada e o ser humano jogado sem destino e mesmo em busca da Verdade, o Amor, isto é a caritas é o caminho pelo qual o ser humano pode se completar apesar de sua condição insuficiente.

    E devemos e podemos ter esperanças. Diferente do que ouvimos por aí ou das compreensões que temos a respeito dos adolescentes e os jovens, eles estão recriando e mesmo construindo uma nova sociedade alicerçada na caridade, na tolerância e respeito ao diferente.

   As novas gerações são mais flexíveis para interagir em grupos, eles percebem e tem procurado viver a misericórdia como valor social. Numa recente pesquisa que fizemos na Faculdade de Teologia da PUC-Campinas com os alunos seminaristas provindos dos seminários diocesanos da Província Eclesiástica de Campinas, eles coletaram dados a respeito da participação dos jovens em seus grupos.

    Uma questão dizia respeito do compromisso social do grupo e o resultado foi positivo. Os jovens estão envolvidos em campanhas de alimentos, campanhas do agasalho, ligados ações políticas no bairro e no município, doação de sangue, grêmio estudantil e movimentos sociais.

    É tempo de ter novamente utopias, não grandes, mas pequenas. É hora de voltar a sonhar. Precisamos sonhar não os nossos sonhos de busca de sucesso pessoal apenas, mas ir ao encontro, aproximar, e quem sabe realizar o sonho de quem está hoje nas ruas, sem ter o que comer, sonhar o sonho de quem simplesmente gostaria que alguém chegasse com uma coberta para ele dormir a noite, e ou mesmo sonhar o sonho de quem está ali esperando que alguém vá estender a mão e dar a ele uma nova oportunidade.

    E o momento agora, é hora de continuar a testemunhar a fé que opera pela caridade. Continuar a cultivar uma cultura da misericórdia. Realizar as obras de misericórdia e assim viver de modo mais concreto nossa espiritualidade cristã que é amar a Deus e ao próximo.

    Descobrir que Deus nos chamou a belíssima vocação de cuidar e guardar a criação. Cuidar da natureza, dos animais e plantas, de tudo que existe, e dos irmãos e irmãs. Em nosso país como não falar da falta de solidariedade junto às comunidades tradicionais, sejam elas indígenas e ou quilombolas.

    Solidariedade a começar pelos últimos. Ter cuidado é sentir compaixão. Os valores cristãos podem e são valores para outro mundo possível.  Em nome de Cristo amemos e que possamos amá-lo em cada irmão e irmã.

    O Natal se aproxima. Vamos celebrar o mistério do Pai que movido por compaixão enviou seu Filho para salvar a humanidade do mal, da morte e de toda forma de terror.

   Compaixão é o jeito de Deus amar e nos salvar. Compaixão seja também o nosso jeito de amar e viver. Deixemos que a Luz que emana do Menino Jesus que dissipa toda treva nos ilumine e nos faça também iluminar.

    Desejo que a alegria do encontro com Jesus te faça ser misericordioso e misericordiosa, verdadeiramente compaixonado e compaixonada, e que possa juntamente com outros irmãos e irmãs em nossas comunidades ouvir o clamor dos pobres, daqueles que esperam por quem estenda as mãos e ajude.

    Como ajudar? Dar pão a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir quem está nu, visitar quem está preso, visitar os enfermos. Toda vez que fizer qualquer uma dessas coisas a um desses pequeninos é a mim que o fazeis.

    Amar e servir, isto é, simplesmente aproximar, escutar e oferecer ajuda. Nossa fé é simples, ela se vive assim. Colocar-se ao lado, estender a mão e ajudar o outro a caminhar.

   Que vivamos a utopia cristã na esperança que cremos em Jesus vivo e ressuscitado habitando em nós por meio do seu Espírito. Testemunhemos o amor de Deus, anunciemos ao mundo que o Reino está próximo de vós.

    Deixemos ecoar em nós o mantra que diz: Onde reina o amor, fraterno amor, Deus aí está! Ele está no meio de nós, Ele é o Emanuel, o Deus conosco!

    Desde já um Santo e Feliz Natal para você e toda sua família e um ano novo com muita saúde e paz.


Que a Paz de Cristo habite em seu coração!

Feliz 2017.


Por:  Pe. José Antonio Boareto

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