A CULPA É DA SERPENTE...
Estamos nos dias em que o Senado da República decidirá se a presidente deve ser afastada do seu cargo para verificação de responsabilidades que lhe são imputadas de ter mal gerido recursos econômicos da Nação. O presidente da Câmara dos Deputados foi afastado, por medida judicial, porque estaria impedido de assumir a presidência da Nação, dependendo daquilo que acontecerá na situação que envolve a presidente e o vice (e porque tem processo a que deve responder). O vice-presidente em exercício decide anular decisão da Câmara. De madrugada volta atrás. Afirma-se, também, que boa parte dos parlamentares federais está marcada por processos em andamento. Na decorrência de tudo isso se vê a economia balançando: desemprego, comércio em retração, juros astronômicos, o real sendo desvalorizado, etc. Diante dessa realidade ainda continuo reclamando a lentidão das medidas a serem discutidas e tomadas. Parece que mais interessa garantir seu lugar do que o bem do povo. Olhando as consequências desses fatos todos vem à pergunta: de quem é a culpa? Naquilo que os meios de comunicação nos mostram é um jogar no colo do outro a razão da intranquilidade que se vive. Isso me fez lembrar a cena do livro do Gênesis. Diz-se, no texto, que Eva foi incentivada pela serpente a provar o fruto da árvore do bem e do mal. Dessa árvore ela e Adão não deveriam se aproximar por ordem divina. Sabe-se que em diversas culturas antigas a serpente era um deus a que se atribuía a ciência, a sabedoria. E o quadro do Paraíso mostra, de forma poética, a ânsia que o ser humano carrega no coração: ser autossuficiente! Tornar-se o critério do bem e do mal, do justo e do injusto, do bom e do ruim. Na linguagem bíblica apoderar-se do fruto era desejar assumir o lugar do Criador. Tomando do fruto proibido Adão e Eva começam a buscar alguém como bode expiatório: sobra para a serpente. Passa-se para o outro aquilo que foi decisão pessoal. Creio que o quadro bíblico pode servir de molde para a situação política atual: cada um dizendo que a culpa é do outro! O mesmo acontece conosco, cidadãos comuns, na base da pirâmide social. Tudo o que acontece de ruim é culpa de quem está mais acima! É bom refletir sobre isso. Tenho assinalado, em outras ocasiões, a tristeza daquilo que acontece em nosso agir diário: o ser esperto, o levar vantagem. Criticamos aqueles que estão nas esferas superiores, mas agimos da mesma forma. Parece que a honestidade é qualidade não comum. Não é raro vermos notícias que dão destaque a quem encontra algum dinheiro e devolve a quem pertence. Isso deveria ser normal. Há poucos dias foi apresentada uma ação de uma pequena empresa que vende sorvetes. Junto à geladeira havia um cartaz que dizia, para quem quisesse comprar, que se pegasse o sorvete e se colocasse o dinheiro numa caixa. Sabe-se que houve “apenas” 16% de gente que não pagou! Causou admiração. Mas admiração deveria ser se alguém roubasse! Pois é! Situações como essas são vividas às pencas. E não percebemos que as coisas da base possibilitam os desmandos mais graves. Além disso, fica sempre a decisão de aproveitar a situação. Ouço, de vez em quando, aqui e ali, que nem todos os inscritos no projeto Bolsa Família deveriam recebê-la. Ouço que nos projetos de casas populares acontece manipulação. Não tenho elementos para afirmação categórica, mas creio que nem sempre as coisas são efetuadas com a retidão devida. Porque a tentação de receber um benefício, mesmo que com prejuízo dos outros, é sempre forte. Tomara que a crise política que estamos vivendo – e que está levando a reboque a crise da economia – nos mova a buscar os caminhos da honestidade pessoal. Para podermos escolher melhor quem nos representa nos poderes. Para termos moral para cobrar o seu trabalho. E para deixar de colocar a culpa nos outros. Afinal a serpente sugeriu. É que, como diz o Papa Francisco, “a tentação é doce”!