ARTIGO: Aparecida: A Mãe Negra que há 300 anos “apareceu”.

ARTIGO: Aparecida: A Mãe Negra que há 300 anos “apareceu”.

POSTADO EM 30 de Janeiro de 2017

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Por ocasião do jubileu dos 300 anos do achado da imagem de Nossa Senhora Aparecida, o Papa Francisco concedeu a pedido dos bispos do Brasil que neste ano de 2017 seja celebrado um Ano Mariano.

Dizem os bispos: “A celebração dos 300 anos é uma grande ação de graças. Todas as dioceses do Brasil, desde 2014, se preparam, recebendo a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida, que percorre cidades e periferias, lembrando aos pobres e abandonados que eles são os prediletos do coração misericordioso de Deus”. (Cf. Nota Oficial, Ano Nacional Mariano).

“Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe” diz o Papa Francisco e em relação ao Ano Mariano diz que se trata de uma lição sobre a missão da Igreja no mundo, assim lemos na Nota Oficial: “O resultado do trabalho pastoral não se assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade do amor”. (Cf. Nota Oficial, Ano Nacional Mariano).

Acreditam os bispos que o Ano Nacional Mariano (...) “vai, certamente, fazer crescer ainda mais o fervor desta devoção e da alegria em fazer tudo o que Ele disser (cf. Jo 2, 5). Todas as famílias e comunidades são convidadas a participar intensamente desse Ano Mariano. A companhia e a proteção maternal de Nossa Senhora Aparecida nos ajude a progredir como discípulas e discípulos, missionárias e missionários de Cristo!”. (Cf. Nota Oficial, Ano Nacional Mariano).

O Pai Misericordioso ofereceu ao Brasil a sua Mãe e quando foi isto, como começou a devoção a Nossa Senhora Aparecida? Quando ela “apareceu”?

Os relatos dizem que o achado da imagem se deu na segunda quinzena de outubro de 1717, quando o Conde de Assumar, governante da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, estava de passagem pela Vila de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, durante uma viagem até Vila Rica (hoje Ouro Preto).

O Conde estava junto de uma comitiva de 500 pessoas e queriam comer um peixe daquele rio, mas que peixe? Se o rio não dava peixe. Os pescadores estavam angustiados, e foram obrigados a ir pescar. Passaram a noite pescando e nada de peixe. João Alves, seu pai, Domingos, e seu tio Felipe não desistiram apesar do cansaço.

O rapaz jogou a rede e apanhou o primeiro pedaço do corpo e depois a cabeça. A pergunta que devemos nos fazer? Como que a água do rio passando, a correnteza forte e vem um pedacinho da cabecinha da santa? O que é isso? De onde vem? Isso é um mistério.

Naquela hora do mistério aquela imagem passou a ser a Nossa Senhora da Conceição “parecida” nas águas. Mesmo sabendo que pescaram uma santa quebrada, mas santa, não tiveram dúvida que ela fosse ajudá-los: “vamos rezar, vamos pedir!” e aí jogam as redes novamente, e então quando puxam elas estão cheias de muitos peixes.

E a partir daí surge a devoção a esta Senhora “parecida”, mas é mais que devoção. Tantos estudos existem sobre o significado da “parição” de Nossa Senhora nas águas do Paraíba do Sul. Entre eles, lembro aqui de Lucy Penna. Ela psicóloga analítica, analisa através dos conceitos jungianos o simbolismo presente em Aparecida.

Primeiramente precisamos entender que a imagem nasce no rio, isto é, ela teria sido feita por Frei Agostinho de Jesus, contudo a peça não teria saído do seu gosto e ele jogou-a no rio.

Sua cor original é marrom, assim é a terra paulista, e com o tempo que ficou dentro das águas foi enegrecendo. Quando ela é pescada, quando encontrada, a imagem que “parece” é uma Nossa Senhora da Conceição Negra.

Ela tem a cor do fundo do rio, o negro, também está relacionado a força telúrica da terra, é a mãe terra, protetora de todos os biomas do Brasil.  Também está relacionada com o contexto histórico do Brasil.

Naquele momento, o Brasil estava vivenciando o ciclo do ouro, e portanto, as frentes que haviam para o interior era de abrir estradas em vista da exploração do ouro em Minas.

A Senhora “parecida” nas águas, foi acolhida na casa de Silvana Pedroso, e ali começou a devoção a ela. Foi na casa dos pobres que ela foi morar, ela “parece” como Mãe Negra dos pobres, os marginalizados, aqueles que não tinham condição de ter o ouro.

A Senhora da Conceição “parecida” é o verdadeiro Ouro Preto. Ela tornou-se a riqueza daquelas famílias. Depois do “milagre” muitos outros começaram, e então a devoção começa a se espalhar, e o povo a pedir a Nossa Senhora da Conceição “parecida”.

Somente depois de dez anos de devoção do povo é que os padres vão se interessar pelo achado da imagem e então será construído para ela uma primeira igreja e ela será chamada Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

A imagem mesmo tendo indo para uma Igreja não deixou de continuar a ser procurada, pelo contrário, aumentou a procura, e sobretudo, as famílias mais simples, os pobres e os negros pediam a ela sua proteção.

É conhecida de todos nós a história do negro que passava em frente a Igreja de Nossa Senhora Aparecida e que pediu ao feitor para deixar ele rezar, e estando acorrentado o negro pediu a Mãe: “Olhe o sofrimento deste teu filho e liberta-me Mãe!”. Sabemos que imediatamente, as correntes se romperam e o negro foi libertado.

Não há como negar que Nossa Senhora Aparecida “parece” como a Mãe Negra dos negros, dos sofredores, dos pobres, dos indígenas e de todos aqueles que no Brasil Colônia sofriam injustamente a dominação imposta pela Coroa.

Ela é a Mãe, sinal maravilhoso do coração misericordioso do Pai que não esquece nenhum de seus filhos e filhas e move-se em compaixão e solidariedade por eles e elas, pois ouve o clamor dos seus e das suas.

Ela é a Mãe Negra da abundância e da fartura, aquela que convida a contemplar o mistério do seu achado compreendendo o significado da sua “parição”. Primeiro corpo, depois cabeça, quando juntou um e outro, veio fartura. Essa é a mensagem que a Mãe quer ensinar a nós com o seu “achado milagroso”.

Precisamos aprender a juntar o corpo da cabeça, não basta ter corpo se não tem cabeça, o próprio povo ensina no ditado popular: “Quando a cabeça não pensa, o corpo padece”. E da mesma forma, não basta ter cabeça, ser um cabeção, se não tem corpo. Integrar cabeça e corpo é o que precisamos fazer, quando agirmos a partir de uma compreensão integral então virá fartura, teremos abundância.

E agir através de uma compreensão integral é o que lemos na Laudato Si onde o Papa Francisco propõe a nós um aprendizado de uma nova maneira de pensar e um novo estilo de vida, em que descubramos que tudo está interligado, que existe uma interdependência entre nós e a criação, e que precisamos aprender a cultivar o valor do cuidado com a Casa Comum.

O Papa nos ensina que estamos diante de uma única crise sócio-ambiental e não de duas separadas. Faz-se necessário, ensina ele, ouvirmos o grito da terra, mas também o grito dos pobres.

A própria CNBB com o tema da Campanha da Fraternidade deste ano: Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da vida pede a nós que continuemos a compreender e a mudar nossa forma de agir a partir de uma ecologia integral.

Entre as linhas de ação sugeridas pela CNBB, continua o acompanhamento do plano diretor no município em favor do saneamento básico, tanto na área urbana como rural de nossas cidades. Esta é uma compreensão dentro de uma nova ecologia, que abarca não só o cuidado com a natureza, mas também com as pessoas que vivem numa profunda interação com a criação, isto é, os biomas.

É a partir desta compreensão de uma ecologia integral que devemos entender a “parição” de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. E somente assim seremos capazes de hoje, juntar cabeça do corpo, perceber a interligação da realidade social com a ambiental e somar-se junto a luta das comunidades quilombolas, como também reconhecer a importância de ouvir o clamor do povo negro por uma atitude cristã nascida do desejo de solidariedade e fraternidade.

A Mãe ama a todos os filhos e filhas, mas nos quer mais solidários e fraternos com os filhos negros e filhas negras deste nosso Brasil. A Mãe quer que cuidemos do Brasil, considerando nosso cuidado com tudo que existe. A Mãe nos quer buscando soluções comuns e de comum acordo para cuidar do país.

Nossa solidariedade e fraternidade aos nossos irmãos negros e irmãs negras pode ser demonstrada na tomada de consciência negra que podemos adquirir, e assim, apoiar iniciativas educacionais e espirituais de combate ao racismo, a intolerância religiosa, e toda forma de discriminação contra o povo negro.

É assim que iremos celebrar 300 anos de Aparecida, dessa Mãe Negra que nos ensina que não é a cor que nos faz ser merecedores do seu amor e devoção. E que não podemos em nome de cor inferiorizar e desqualificar nossos irmãos e irmãs.

Ela também nos ensina que ela continua negra e essa é sua beleza. É através de sua negritude que acolhe a todos e todas. Nossa Senhora Aparecida, sinal maravilhoso de Deus, que brilha com sua negra cor, dizendo a nós que a luz de Deus não é só branca, mas tem toda cor e nela a cor da noite.

É a Mãe de todos os filhos e filhas, tanto daqueles que estão nas comunidades católicas, como também em outras confissões, ou em nenhuma delas. É a mãe de todo brasileiro e brasileira. É a Mãe que Deus deu ao Brasil.

É a Mãe Negra que no seu coração exulta a Deus, e mesmo dança e acolhe o gingado dos filhos e filhas através do samba.  Acredita-se a palavra samba no Brasil tenha origem de “semba”, a palavra sofreu essa pequena corruptela, de origem angolana, significa “umbigada” que interpretamos no português como alegria.

E é no samba que ela vai ser homenageada, com o apoio da Igreja Católica por meio do Conselho Episcopal Pró-Santuário Nacional de Aparecida, pois a força dessa Mãe Negra Aparecida é como profetiza Neemias e este é também o nosso jeito de compreender o mistério do achado dessa imagem: cabeça e corpo junto e fartura, abundância para todos e todas.

Diz Neemias: “Ide, comei as gorduras, e bebei as doçuras, e enviai porções aos que não tem nada preparado para si; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa força!” (Nm 8, 10).

            É essa a força do povo brasileiro, a sua força é sua alegria no Senhor, é o samba, o gingado, a resistência negra cantada, dançada no gingado do samba e da capoeira.

            É nessa alegria que vamos procurando acolher em nosso meio essa Mãe Negra Aparecida, Mãe da abundância e da fartura. Mãe da alegria, Mãe que nos ensina que a festa é o espaço onde todos e todas podem conviver com maior tolerância e respeito entre si.

            O Brasil é feito de festa e alegria. Que este ano que nos convida a celebrar esta Mãe tão querida nossa festa e alegria seja o fruto do nosso empenho em sermos solidários, misericordiosos e fraternos com todos os seres vivos, com toda a obra criada, pois essa é a maior alegria que a Mãe pode saborear provindo de seus filhos brasileiros e filhas brasileiras.

            Diante da Mãe Negra Aparecida, como filho e filha dela, oferecemos nossa alegria, oferecemos nosso samba junto com a G.RE.S. Unidos da Vila Maria que trará a Mãe para “parecer” no Anhembi e para todo o mundo, como disseram os bispos: ir ao encontro do povo onde ele está.

            Então nos preparemos desde já e vamos celebrar os 300 anos de Nossa Senhora Aparecida rezando por meio desse samba:

            Aos teus pés vou me curvar

            Senhora de Aparecida

            A prece de amor que nos uniu

            Salve a rainha do Brasil.



Pe. José Antonio Boareto


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