LETRAS GARRAFAIS
Não! Não escreverei sobre o impedimento da Presidente! Os meios de comunicação falarão disso com mais dados e mais competência! Quero letras garrafais para outro assunto. Sempre que aparece o adjetivo “garrafal” me pergunto o que tem a ver a garrafa com a letra. O dicionário diz que um dos seus significados é “pomposo, altissonante”. Adoto estes significados para colocar aqui uma notícia dada na Folha de São Paulo no dia 14pp., no caderno “Cotidiano”. È uma dessas notícias que tem tudo para passar despercebida: fim de página, sem muito destaque. Lida por quem, como eu, gosta de garimpar páginas. Vou à discreta “manchete” e ao seu conteúdo tal como está no jornal: “Padre, desbravou florestas para ajudar fiéis”. Paolino Baldassari (1926-2016). Embrenhar-se na floresta amazônica era o que o Padre Paolino Baldassari mais gostava de fazer. Por décadas, em viagens de barco que duravam até seis meses, visitava seringais, aldeias e comunidades ribeirinhas. Nas incursões, chamadas de desobrigas, celebrava batismos, casamentos e outras obrigações dos fiéis em áreas isoladas. Não que a missão fosse fácil. Em 56 anos de Acre, o religioso italiano contraiu malária 84 vezes. Após cada viagem passava seis meses se recuperando na pequena Sena Madureira (AC). Certa vez chegou com tanto verme que uma laboratorista da cidade, pintora diletante, presenteou-lhe com um quadro com todos os bichinhos encontrados na barriga do religioso. Padre Paolino não cuidava apenas do lado espiritual. Graças a ele, dezenas de escolas foram erguidas floresta adentro. Recrutava qualquer um que soubesse um pouquinho mais para fazer as vezes de professor. Era também um defensor da floresta. Escreveu cartas a todos os presidentes desde Itamar Franco denunciando a devastação. Seus esforços, no entanto, pouco adiantaram: quase toda a floresta da sua região acabou sendo transformada em pasto. Nos últimos anos, sem saúde para viajar, Paolino se concentrou em atender pacientes pobres em um consultório anexo à igreja. Misturava os remédios da floresta com medicina tradicional. Morreu no dia 8, aos 90 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Deixa um baú recheado de cadernos onde registrou, hora a hora, cada uma das suas aventuras.” Num mundo que valorizasse tais ações esta notícia deveria estar na primeira página. Essa notícia enche o coração e faz a gente acreditar que para além de mensalões, petrolões, etc, há esperança. Mas a realidade aponta para outro lado: fosse alguém envolvido em pedofilia e outros malfeitos a manchete garrafal estaria lá! Há muita gente como padre Paolino. Que agem a partir das suas expressões de fé religiosa ou em valores humanos. Mas isso quase não é notícia. Conheço um padre gaúcho - Edson Damian - que foi nomeado bispo da diocese de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Num retiro que pregou ao clero de Bragança Paulista ele falava com muita singeleza do seu dias a dia e dos pouquíssimos padres que constituem o clero local. A região é conhecida como “Cabeça de Cachorro”. Não há estradas. Tudo é feito por barcos ou aviões. Quando nos rios, não poucas vezes, pela diminuição da vazão, os barcos devem ser carregados às costas. A viajem de uma comunidade à outra pode durar semanas. Esse bispo passou para nós todos um mensagem de simplicidade e de profundo amor pelo seu povo que é formado em sua maioria por indígenas e uma parte por militares e suas famílias porque é uma região de fronteira. Numa de suas conversas, quando explicava a necessidade de mais padres para a diocese disse, brincando, que fundamental era saber nadar e não ter medo de jacaré. Esse gaúcho entrou na vida de seu povo como se ali tivesse estado desde sempre! Entusiasmou um nosso seminarista que hoje é padre. Pe. Hélio Benedetti, de família de Bragança, residente no Parque dos Estados. Um jovem ruivo, alto, que certamente se destaca no meio de um biotipo indígena. Mas já se tornou índio também. Igual a seu bispo. Quantos homens e mulheres, pelo mundo afora, tornam a sua vida dedicação aos sofredores e necessitados! Isso deveria ser razão para manchete garrafal! Manchetes desse tipo nos dariam fôlego para o Bem!